"Sócrates não merece cair sozinho
Não se enganem: aquilo que
ficámos a conhecer não foi a acusação de José Sócrates, mas a acusação de um
regime inteiro. Um regime composto por um povo alheado e dependente, um poder
corrupto, uma justiça amedrontada e um jornalismo manso. Sem esta triste
conjugação de pobres qualidades, José Sócrates poderia sempre ter sido eleito
em 2005, mas jamais seria reeleito em 2009. É evidente que existe gente
indecorosa em qualquer parte do mundo, mas nos países bem frequentados as
instituições não falecem todas ao mesmo tempo. Infelizmente, durante a era
Sócrates, tudo faliu, até finalmente falir o país. Tirando duas ou três dúzias
de teimosos que insistiram obsessivamente que o rei ia nu, demasiadas pessoas
em lugares de responsabilidade ou não viram o que se estava a passar, por serem
pouco espertas, ou não quiseram ver, por serem pouco honestas.
Neste momento marcante da
História de Portugal, em que um ex-primeiro-ministro é acusado de 31 crimes de
corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de
documento, convém recordar que José Sócrates não caiu da tripeça por causa dos
portugueses, que finalmente perceberam quem ele era. Caiu por causa da crise
internacional, da falência do país e da vinda da troika. Sócrates obteve 36,6%
dos votos em 2009 (mais de dois milhões de pessoas), já depois da revelação da
licenciatura fraudulenta e das manobras para impedir a publicação de notícias;
já depois da exibição do DVD do caso Freeport onde Charles Smith declarava que
ele era corrupto; já depois de correr com Manuela Moura Guedes do programa de
informação mais visto da TVI por não apreciar o estilo e as reportagens. E
mesmo após a crise internacional, a falência do país e a vinda da troika, José
Sócrates ainda conseguiu obter 28,6% de votos para o PS – 1,57 milhões de
portugueses. Em 2015, depois de quatro anos de brutal austeridade, António Costa obteve
somente mais 180 mil votos do que José Sócrates em 2011.
Sócrates foi um extraordinário
caso de popularidade, não só entre o povo, mas sobretudo entre as elites. E são
estas elites que hoje em dia me preocupam, porque os ex-apoiantes de Sócrates
continuam por aí como se nada fosse, nos blogues, nos jornais, nas empresas, no
PS, no governo. Muitos dos que acham que os portugueses têm o dever moral de
pedir desculpa por acontecimentos do século XVII, não vêem qualquer necessidade
de pedir desculpa por acontecimentos de 2017. Não há qualquer acto de contrição
por terem apoiado incansavelmente um homem que a cada três meses era suspeito
de fraude, corrupção e atentado ao Estado de Direito, e que nunca, jamais,
apresentou qualquer justificação decente para aquilo de que era acusado.
Dir-me-ão: Sócrates ainda não
está condenado. Pois não. Mas reparem como o entusiasmo dos seus defensores
esmoreceu desde a noite da detenção (21 de Novembro de 2014) até ao dia da
acusação (11 de Outubro de 2017). A verdade é esta: as acusações são demasiado
fortes e as explicações demasiado fracas. Daí Sócrates estar cada vez mais
isolado. Contudo, o julgamento que se aproxima não pode esgotar-se nele. É
sobre Sócrates, sobre Salgado, sobre Vara, sobre Bava, sobre Bataglia, e sobre
um regime construído por inúmeros ex-socratistas, que agora saem de cena na
esperança de que esqueçamos o papel que desempenharem ao longo dos anos.
Eu não esqueço. (e eu também não...) Aqui estarei para lembrar que Sócrates não ascendeu sozinho, não governou sozinho e, acima de tudo, não merece cair sozinho."
Eu não esqueço. (e eu também não...) Aqui estarei para lembrar que Sócrates não ascendeu sozinho, não governou sozinho e, acima de tudo, não merece cair sozinho."
Sem comentários:
Enviar um comentário