Os desastres deste ano vieram
actualizar um velho problema: o despovoamento, para uns, ou a desertificação,
para outros, de grande parte do país. Não apenas do interior clássico, mas do
interior social e económico que por vezes se aproxima a escassos quilómetros do
litoral ou até que inclui muita praia do centro do país ou do Alentejo. Aliás,
visto de São Petersburgo ou de Istambul, Portugal é todo litoral.
Por causa da violência dos fogos
e do número de vítimas mortais, os incêndios do Verão e do Outono deixaram
marca indelével no território, nos espíritos e na política. O governo reagiu
mal, mas, justamente corrigido pelo Presidente da República, mexeu-se e tentou
recuperar o tempo perdido.
Rapidamente se começou a discutir
as grandes questões, o ordenamento florestal e do território, as funções do
mercado, a criação de parques nacionais e o destino a dar às matas abandonadas.
Prontamente se ouviram promessas, umas velhas, outras muito velhas. A grande
demagogia regressou. Quase não há político que não fale das “raízes”, não as
das árvores, mas as das populações. Com o que se pretende “fixar populações”,
evitar as migrações, controlar a urbanização, trazer novas pessoas para “criar
raízes”… Chega facilmente a dizer-se que é necessário fazer com que as pessoas
“devam” (na versão despótica) ou “possam” (na versão liberal) ficar a viver
onde nasceram e cresceram. São temas inúteis que rendem sempre qualquer coisa
em comício ou à saída de jantar: “revitalizar o interior”, “impedir o
despovoamento” e “incentivar a natalidade”. Ao que não falta “trazer empresas
para o interior”, “criar incentivos fiscais”, “proteger a produção local”,
“criar emprego” e “encorajar o artesanato”. Há 50 anos e agora. As intenções
são tão boas que falta coragem para criticar o erro, a demagogia e a ilusão.
A verdade é que, para fixar
populações, só se conhecem meios ditatoriais, já bem rodados na China, no
Camboja e na União Soviética. Com centenas de milhares de vítimas. Ou milhões.
Fixar populações ou é demagógico e não serve senão para tentar ganhar votos, ou
implica retirar aos cidadãos algumas grandes liberdades que são as de movimento
e de mudança de local de vida. Para fixar populações, é necessário talvez o
planeamento integral da vida das pessoas.
Confundir despovoamento com
abandono é uma das raízes do problema. Terras despovoadas podem ser
economicamente úteis, desde que bem tratadas. Em muitos casos, é mesmo o
contrário que se produz: gente a mais significa incêndio, desleixo e acidente.
A decisão de viver na vila, na pequena cidade, na grande metrópole ou no
estrangeiro não é sempre uma decisão de miseráveis e desprotegidos. A decisão
de mudar é muitas vezes um passo para a promoção e a mobilidade, para melhorar
e subir na vida. Viver nas cidades traz quase sempre vantagens para a educação,
a saúde, o emprego, a cultura, o casamento, a justiça e o conforto. Em poucas
palavras, a liberdade é urbana. Em grande medida, o progresso também. Já se
conhecem em Portugal centenas de agricultores que vivem na cidade e trabalham
no campo. Felizmente que ninguém se lembrou de os fixar.
Evitar o abandono? Sim. Impedir a
degradação do meio? Sim. Aproveitar os recursos sem os destruir? Sim. Fixar as
populações? Não. Mas sim ao estímulo e à remoção de obstáculos. Assim como
evitar que sejam as autoridades as primeiras a acelerar o abandono. Destruir
instituições pode ser fatal. É o que tem feito o Estado, de esquerda ou de
direita, para poupar pouco a fim de gastar muito. Não faltam exemplos por todo
o país: escolas, centros de saúde, repartições, bancos, centros de emprego e da
segurança social, centros de formação, esquadras de policia, quartéis da GNR,
regimentos militares, lares de terceira idade, serviços florestais, parques
nacionais, áreas protegidas, serviços de conservação da fauna… Houve decisões
racionais? Talvez. Mas também as houve insensatas e de curtos horizontes.
Manter instituições pode ser
muito mais barato, democrático e livre do que acudir depois a subsidiar causas
perdidas. Áreas despovoadas podem não ser abandonadas. Áreas despovoadas podem
ser ricas e aproveitadas.
DN, 31 de Dezembro de 2017 por Dr. António Barreto
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