Teste - artigo do Dr. Vital Moreira publicado a 3 Dezembro 2015
1. Um bom teste à nova maioria
parlamentar de esquerda consiste em saber se vai ser capaz de extinguir os
regimes privilegiados de pensões no sector público, que fazem pouco do
princípio da igualdade.
Houve tempo em que os
funcionários públicos em geral gozavam de um regime de pensões próprio, operado
pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), separado do regime geral, operado pela
Caixa Nacional de Pensões, integrado no sistema geral de Segurança Social. Era
um regime muito mais favorável do que o regime geral, quer pela idade de
aposentação (60 anos contra 65), quer pelo método de cálculo da pensão, que
equivalia ao valor da última remuneração (enquanto no regime geral contavam os
melhores 5 dos últimos dez anos).
Apesar da manifesta desigualdade
de regimes – aliás inconstitucional por outro motivo, pois a Constituição prevê
desde o início um sistema único de segurança social -, a situação só começou a
ser corrigida nos anos 90, com a convergência do regime da função pública com o
regime geral. O corte efectuado há dois anos pelo Governo do PSD-CDS nas novas
pensões do sector público ajudou a eliminar a diferença preexistente, pelo
menos em relação às novas pensões, cuja “taxa de substituição” em relação à
última remuneração passou a ser bem inferior a 90%.
2. Infelizmente, nem todas as
pensões do sector público foram abrangidas por essa convergência. Existem
categorias de servidores do Estado – como os juízes, os agentes do Ministério
Público e os diplomatas –, que mantiveram intocado o privilégio de terem
pensões iguais à última remuneração, portanto, com uma taxa de reposição de
100% e sempre actualizadas em função da remuneração.
Para além dos custos orçamentais,
dado o valor elevado dessas pensões, trata-se de uma situação insustentável à
luz do mais elementar princípio da igualdade. Aliás, a pressão vai continuar no
sentido da redução do valor das pensões em geral – o recente relatório da OCDE
sobre as pensões mostra que Portugal gasta quase o dobro do PIB da média dos
países dessa organização –, pelo que não se compreende nem se pode aceitar que
certas categorias de servidores do setor público fiquem imunes a qualquer
redução.
A esquerda é, e não pode deixar
de ser, especialmente sensível à igualdade de tratamento e à luta contra
privilégios, em especial os privilégios corporativos e os das elites do Estado,
tanto mais que em nome da esquerda se toleraram os privilégios das
nomenclaturas oficiais que capturam o Estado em seu benefício (como acusou Orwell,
há os que são “mais iguais do que outros”). Por isso, e para os que sempre
privilegiaram a luta contra os privilégios, as “pensões douradas” são algo de
absolutamente inaceitável, especialmente em tempos de frugalidade orçamental.
É evidente que, conforme a
doutrina do Tribunal Constitucional, a redução dessas pensões só pode
aplicar-se às novas pensões. E pode mesmo considerar-se conveniente adiar algum
tempo a entrada em vigor do novo regime para proteger expectativas de quem está
à beira da aposentação. O que é inadiável é a eliminação desse regime
privilegiado.
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