"Na “Internacional”, é a luta que
é final. Mas entre os slogans e as senhas das revoluções, a “vitória final” ou
a “vitória, sempre” fazem parte do arsenal semântico. Em Portugal, este fim-de-semana,
assistimos a uma liturgia vitoriosa inédita. É a primeira vez, em quase
quarenta anos, que o PCP comemora a vitória. Com cuidado. Com precauções. Com
ameaças. Mas vitória!
Um relógio parado está certo duas
vezes por dia. A primeira vez foi há 42 anos: aconteceu uma revolução militar
que se transformaria gradualmente em revolução política e social! Prevista há
muito, esperada durante décadas e desejada tempos sem fim, fez-se e foi o que
se sabe. O PCP garantiu que a tinha previsto. Cavalgou-a. Dirigiu-a durante uns
meses. Perdeu-a em 1975, a
25 de Novembro. Por isso, as esquerdas detestam o 25 de Novembro. Por isso, o
PS, que aplaudiu, tem hoje vergonha do 25 de Novembro. Por isso, o Parlamento
recusou o ano passado associar-se à comemoração dos 40 anos e, este ano, não
aceitou evocar a data. Felizmente que agora o dia se transformou no Dia
Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que tem o condão
de mobilizar as opiniões e os jornais. Foi também o dia em que morreu Fidel
Castro, o mais duradouro ditador do século XX, o mais longo mito e o mais
perene herói das esquerdas, incluindo de muitos socialistas que esquecem o
ontem e sonham com amanhãs. Parte do mundo deixou-se deslizar numa obscena
lamúria em que se festejava em
Fidel Castro o que não se tolera em ditadores como Salazar, Mussolini,
Franco e Pinochet. Mas Fidel é de esquerda. Como os ditadores Estaline, Pol Pot,
Mao e Ceausescu. Deve ser por isso que tem todas desculpas.
O PCP espera agora que o seu
relógio acerte pela segunda vez. Há quarenta anos que é contra a CEE, contra a
União e contra o Euro. Nunca deu resultado, nem teve êxito. Desta vez, espera
que sim. Os dissabores da União, as ameaças de desmembramento e a ascensão da
extrema-direita fazem-no ter esperança.
No dia 2 de Dezembro, o PCP
iniciava o seu 20º Congresso, em cuja abertura o secretário-geral desferiu um
dos mais brutais ataques à União Europeia e ao Euro, à economia de mercado e à
iniciativa privada, em louvor da “pátria”, da saúde e da economia pública. Apesar
disso, tudo leva a crer que o PCP vá apoiar o governo do PS por mais algum
tempo. Mesmo que tenha de disfarçar, como fará com a nomeação de Paulo Macedo, até ontem o
coveiro do SNS.
Na véspera, comemorara-se o 1º de
Dezembro, que é agora, também, o Dia internacional de Luta contra a Sida, tema
mais actual e mais mobilizador do que a independência nacional. Esta deu origem
a uma festa “oficiosa”, vá lá saber-se o que é isso, ainda por cima com a
presença das mais altas entidades nacionais. Mas é curioso ver, nestes tempos
de viragens e reversões, como a festa da Independência Nacional foi cancelada
pela direita, há cinco anos, e restaurada pela esquerda, agora. No dia anterior,
a 30 de Novembro, os Reis de Espanha terminavam a sua visita de Estado a
Portugal, durante a qual elogiaram o bom entendimento ibérico.
Por toda a esquerda, democrática
ou não, corre uma palavra ou um conceito a definir uma política: Patriótico! É
o que se houve aos governantes, aos congressistas do PCP e aos porta-vozes do
Bloco. Mas é também o que corre no topo das instituições, Presidente e Primeiro-ministro.
A palavra pode ser banal. A sua utilização oportunista. A sua evocação
automática. Mas é a palavra dos perigos imprevistos. E dos fantasmas
ameaçadores. Patriótico é também contra a globalização, contra o liberalismo
político e económico, contra o mercado livre e contra a liberdade científica. Pátria!
Pátria! Quantos crimes se cometeram por tua causa!"
DN, 4 de Dezembro de 2016 . Dr. António Barreto