Vernáculo para um homem comum... UHF (5 estrelas)
Estou cansado, pá
Cansado e parado por
dentro
Sem vontade de
escolher um rumo
Sem vontade de fugir
Sem vontade de ficar
Parei por dentro de
mim
Olho à volta e
desconheço o sítio
As pessoas, a fala,
os movimentos
A tristeza perfilada
por horários
Este odor miserável
que nos envolve
Como se nada
acontecesse
E tudo corresse nos
eixos.
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar
Idiotas convencidos
Que um dia um voto
lançou pela TV
E se acham a
desempenhar uma tarefa magnífica.
Com requinte de
filhos da puta
Sabem justificar a
corrupção
O deserto das ideias
Os projectos avulso
para coisa nenhuma
A sua gentil reforma
e as regalias
Esses idiotas que se
sentam frente-a-frente no ecrã
À hora do jantar para
vomitar
O escabeche de um
bolo de palavras sem sentido
Filhos da puta porque
se eternizam
Se levam a sério
E nos esmigalham o
crânio com as suas banalidades:
O sôtor, vai-me
desculpar
O que eu quero é
mandá-los cagar
Para um campo de
refugiados qualquer
Vê-los de Marlboro
entre os dedos a passear o esqueleto
Entre os esqueletos
Naquela mistura de
cheiros e cólicas que sufoca
Apenas e só --
sufoca.
Estou cansado
Cansado da rotina
Desta mentira que é a
vida
Servida
respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.
Estou cansado de
viver neste mesmo pequeno país que devoram
Escudados pelas
desculpas mais miseráveis
Este charco bafiento
onde eles pastam
Gordos que engordam
Ricos que amealham
sem parar
Idiotas que gritam
Paneleiros que se
agitam de dedo no ar
Filhos da puta a dar
a dar
Enquanto dá a teta da
vaca do Estado
Nada sabem de
história
Nada sabem porque
nada lêem além
Da primeira página da
Bola
O Notícias a correr
E o Expresso, porque
sim!
Nada sabem das ideias
do homem
Da democracia
Atenas e Roma
Os Tribunos e as
portas abertas
E a ética e o diálogo
que inventaram o governo do povo pelo povo
Apenas guardam o
circo e amansam as feras
Dão de comer à
família até à diarreia
Aceitam a absolvição
E lavam as manápulas
na água benta da convivência sã
Desde que todos se
sustentem na sustentação do sistema
Contratualizem (oh
neologismo) o gado miúdo
Enfatizem o discurso
da culpa alheia
Pela esquizofrenia
politicamente correcta:
Quando gritam, até
parece que se levam a sério
Mas ao fundo, na
sacristia de São Bento
O guião escrito é
seguido pelas sombras vigentes.
Estou cansado
Cansado da rotina
Desta mentira que é a
vida
Servida
respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.
Estou farto de abrir
a porta de casa e nada estoirar como na televisão
Não era lá longe, era
aqui mesmo
Barricadas, armas,
pedradas, convulsão
Nada, não há nada
Os borregos, as
ovelhas e os cabrões seguem no carreiro
Cmo se nada lhes
tocasse -- e não toca
A não ser quando o
cinto aperta
Mas em vez da guerra
Fazem contas para
manter a fachada:
Ah carneirada, vossos
mandantes conhecem-vos pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol a
três cores
Pelas vitórias morais
de quem voa baixinho
E assume discursos
inflamados sem tutano.
Estou cansado
Cansado da rotina
Desta mentira que é a
vida
Servida
respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.
Estou cansado, pá
Sem arte, sem génio,
cansado:
Aqui presente está a
ementa e o somatório erróneo do desempenho de uma nação
Um abismo prometido
Camuflado por discursos
panfletários:
Morte aos velhos!
Morte aos fracos!
Morte a quem exija
decência na causa pública!
Morte a quem lhes
chama filhos da puta!
- E essa mãe já
morreu de sífilis à porta de um hospital.
Mataram os sonhos
Prenderam o luxo das
ideias livres
Empanturraram a
juventude de teclados para a felicidade
E as famílias de
consumo & consumo
Até ao prometido AVC
Que resolve todas as
prestações:
Quem casa com um
banco vive divinamente feliz
E tem assistência no
divórcio a uma taxa moderada pela putibor.
Estou cansado, pá
Da surdez e da
surdina
Desta alegria por
porra nenhuma
Medida pelo sorriso
de vitória do idiota do lado
Quando te entala na
fila e passa à frente
É a glória única de
muita gente
Uma vida inteira...
Eleitos, cuidem da
oratória...